Utopia e Distopia
Nessa pandemia do Covid19 é algo raro encontrar pessoas e desfrutar de momentos simples como uma "Sessão Pipoca".
Mas outro dia lá estávamos, vacinados e entre um pico e outro da Pandemia, dispostos a ver
A variante ômicron da Covid19 acabara de chegar ao Brasil, mas as autoridades de saúde poucas informações nos davam em razão de um suposto ataque hacker. Não bastasse isso, uma nova gripe Influenza H3N2 já dava seus primeiros sinais de epidemia.
Mas vamos lá; à escolha.
Enquanto uma amiga preparava as pipocas, procurávamos nas infindáveis listas da Amazon e da Netflix, sem deixar de ver a programação do Telecine.
Conversávamos assuntos aleatórios enquanto escolhíamos a um filme e pensávamos em qual assistiríamos depois. Entre uma sugestão e outra que nos surgia, eu acabei por "pensar alto":
- Gosto desse... é mais um filme distópico, porém o argumento e roteiro é muito bom!
Um silêncio de alguns instantes e veio a pergunta franca e direta do amigo que ficou na sala, enquanto esperávamos pela pipoca.
- Desculpe, não sei o que significa distópico!
Fique surpreso pela pergunta, pois muitos não compreendem algo e deixam de se expressar, fingindo que entenderam. Fui logo respondendo.
- É simples, é o contrário de utópico... - mas deixei o meu tanto de professor fluir e completei - Utópico vem de utopia, coisas imaginadas, sonhadas e em geral, para algo melhor. A expressão utopia você conhece né?
- Sim, agora entendi. Não sabia que existia ao contrário. - disse-me com real surpresa - mais uma que aprendi.
E segui completando que os filmes distópicos imaginam cenários em geral destrutivos ou partem de um fato real preocupante e extrapolam, nos levando a um ambiente onde há muita destruição, pouco sobreviventes. Não é uma distopia completa, pois ainda há um resquício de esperança no desenrolar do filme; afinal, o que nos mantém vivos é a esperança, como regra.
Talvez não fosse necessário todo esse discurso, pensei logo, pois o silêncio voltou.
Deixei de lado a escolha, saí um pouco da sala. Não me senti confortável, ainda que num primeiro momento a motivação tenha sido justa. Ele perguntou... e eu respondi.
Por outro lado, será que ele desejava ter escutado ao restante, ao que se seguiu? Essa dúvida irá permanecer, pois a medida do grau de inconveniência de uma fala é o desconforto do outro, o que nem sempre é aparente ou nos é demonstrado.
Lá fora... enquanto decidiam pelo filme (sem o nerd para incomodar) observei um céu pouco típico; nesse dias em que o verão brasileiro tem tido chuvas torrenciais, em alguns momentos o firmamento nos aparece claramente após algumas nuvens transitarem pelos céus.
Céu limpo... No firmamento, a constelação de sagitário; próximo passado, minha data de aniversário. Para que as pessoas associaram signos a traços de personalidade em razão de uma data de nascimento e os conjuntos de estrelas visíveis no céu? Me veio como resposta dois aspectos: compreender melhor o que 'temos para hoje' e pensar no 'que será do amanhã'.
Esses dois olhares, presente e futuro, são os assuntos tanto da Utopia quanto da Distopia.
Se olharmos apenas pelos melhores aspectos que possamos encontrar, no momento presente, é possível criamos alguma utopia em que veremos necessariamente o que de melhor nos espera, mesmo que utópico seja.
Nada mais utópico do que imaginar que, em situações de isolamento social, as pessoas possam buscar o melhor de si mesmo, que desejem se aprimorar. Ou ainda, que utilizem-se das tecnologias para aprimorar o convívio social; em geral as pessoas se distanciaram mais das outras. Com algum recente convívio, o uso necessário das máscaras gerou comportamentos de mascarados; o não mostrar o rosto dificulta a reaproximação das pessoas. Esconder o rosto e a expressão facial enquanto nos relacionamos é também deixar a identidade de lado; conflitos interpessoais seguirão em expansão.
Nada mais distópico do que esperar pela destruição das relações pessoais em seus diversos ambientes, dada capacidade das pessoas de se isolarem em seus mundos próprios de crenças, valores, exercício das relações de poder e outras comezinhas que sempre dificultarão o diálogo.
Dialogar envolverá no mínimo dois polos, que devem necessariamente se alternar nas exposições e, por vezes, alternar e transigir sobre o assunto. Nenhuma transigência no plano intelectual é ruim, desde que haja o respeito mútuo.
Assim... voltei à sala.
- Gostei muito de aprender, obrigado! Não sabia nem que existia isso, a Distopia. - Disse-me ele em reforço, ao perceber que eu havia ficado um tanto sem graça após minha 'exposição' sobre o assunto.
- Pois é... - respondi - Fico mais tranquilo, às vezes sou prolixo... E feliz por ter ajudado na escolha, pautado por algo a aprendermos juntos.
Às vezes, o melhor diálogo não é com quem "sabe mais ou sabe menos" e sim com nossas próprias reflexões. A discorrer sobre o assunto, para não perder a mania...
Vale lembrar que transparência e honestidade ainda são as chaves do verdadeiro diálogo!
Obrigado pela companhia! Vocês são maravilhosos!
Julio Siva
jan2022
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